sábado, 24 de outubro de 2009

Um Edson*, um poeta e um conselho



por Edson Borges Vicente

Jovem repórter faz homenagem ao poeta Jorge Cardozo, presidente do Conselho Municipal de Cultura


De onde vem a força do poeta
Sobrevivendo em tempos obscuros
Tentando escapar do calabouço
e ver nascer o sol da liberdade?

Talvez venha do espírito de união
Da arte que o palco da vida ensina
Expressada nos espaços operários
Nas caras e nas bocas da cidade

E como imaginar tamanho feito
De ver raiar a luz da esperança
E das palavras tristes do poeta
Surgir a firme voz da liderança

E ao fim sentir que todos temos vida
Que a arte não está no cativeiro
Repousa sobre o velho e o moço
Desperta no coração da criança

Talvez se não morresse o tal menino
Ainda estivesse presa, a poesia
E a força e a garra do poeta
Fosse tal qual agulha no palheiro

Melhor é resistir à repressão
Seguir a cultura da ousadia
Viver do jeito que mais vale à pena
Conselhos de um poeta conselheiro

* Referência ao estudante Edson Luiz Lima Souto, assassinado em 1968, aos 18 anos, em uma operação de repressão, durante a ditadura militar (ver matéria 'Conselho do poeta')

sábado, 17 de outubro de 2009

Professor: ser ou não ser


Por Edson Borges Vicente em 15 de outubro e 2009


Era manhã fria embora o inverno estivesse arrumando as malas. Estava toda a turma assentada em filas indianas, como era de costume, já que a densidade demográfica era de quase uma criança por metro quadrado naquela sala de aula de colégio público da periférica cidade metropolitana de Nova Iguaçu. A escola ficava no bairro periurbano de Cabuçu, onde a proposta construtivista já tinha chegado aos ouvidos dos professores, mas a disposição em círculo da era fisicamente inviável.
A quinta série tinha novo nome: sexto ano do Ensino Fundamental e também novo habitante: Tiago Fernandes, garoto franzino cujo sobrenome espanhol havia sido herdado em tempos em que José Schazneger poderia ser considerado genuinamente brasileiro em uma família pobre da Baixada Fluminense.
Entre um mapa e outro o professor de geografia falava da importância do estudo na vida das pessoas e com veemência associava a escolaridade às oportunidades de bom emprego e dignidade de vida. Certo momento, enquanto o mestre falava da relação dos meios de comunicação com o conhecimento dos lugares, como filmes e documentários televisivos e dos textos e imagens de jornais e revistas, Tiago interrompeu:
- Professor, o senhor viu um monte de professores apanhando na televisão?
- Quando você viu isso? - Indagou o professor.
- No jornal. Passou uns policiais batendo nos professores lá na cidade – afirmou o menino.
Para evitar a mudança de rumo da aula o professor desconversou:
– Eles já pediram desculpas.
- Pediram nada – retrucou o garoto –, o cara do jornal disse que era por que os professores ganham muito pouco pra dar aula. Menos que prefeito, vereador e presidente – completou.
- Isso é verdade - respondeu o docente. – Mas isso não quer dizer que ele trabalhe menos. O professor é um profissional de suma importância para a sociedade. Todos, antes de serem ‘alguém na vida’, passaram primeiro pelo professor: presidente, prefeito, vereador e também os médicos, engenheiros e advogados – explicou.
- Eu também ouvi isso na televisão. Tem professor pra criança, pra adolescente e pra adulto, né! Até pro juiz tem professor. Deve ter que estudar muito pra ser professor, não é professor? – perguntou Tiago.
- É claro – não exitou o educador –, você estuda nove anos no Ensino Fundamental, três no Ensino médio e mais um no Curso Normal para dar aulas até a quarta série / quinto ano. Para dar aulas do sexto ano, como a turma de vocês, e para o Ensino Médio / Segundo Grau, tem que cursar uma faculdade e estudar mais quatro anos.
- Nossa! - espantou-se o jovem – Isso tudo? E pra dar aulas pros médicos e pro juiz? Questionou o aluno.
- Bom, dependendo da faculdade (que é onde os médicos estudam), o professor tem que estudar mais um ou dois anos na especialização, dois anos no mestrado e mais quatro no doutorado.
- Chega! – implorou o moleque – Mais pra dar aulas pra quinta série só precisa dos quatro anos na faculdade e pronto, certo? Indagou-lhe.
- Não necessariamente. Muitos professores estudam mais que isso. Na verdade, o professor nunca pode parar de estudar. Ele precisa sempre se atualizar – complementou o mestre.
Um silêncio se fez na sala...
Após um tempo e alguns cochichos ecoando entre as paredes da sala 10, Mariana – menina espevitada e falante – se intrometeu no papo que já rendia dez minutos da aula.
- Eu também soube que os professores apanharam. Mas soube no rádio. Eu gosto de rádio pra ouvir música, sabe! - continuou... – na verdade eu gosto mesmo é de pagode, mas minha mãe ouve musica internacional, ‘da antiga’, e colocou na JB que de vez enquanto tem jornal e ai...
- Já chega! - gritou Fernanda – a encrenqueira da sala. O que não tinha de corpo tinha de marra – eu vi uma foto no jornal. Meu pai não compra jornal sempre, mas ele pára na banca da praça pra ler as capas penduradas. Quando eu estou com ele é ‘um saco’, tenho que esperar. Eu vi em uns três jornais diferentes – concluiu.
Percebendo a ânsia dos pequenos o professor tentou trazer a discussão para o âmbito do tema estudado e interrompeu a discussão dizendo:
- Estão vendo como é necessário estudar? Ler jornal, assistir TV e ouvir rádio são formas de comunicação e a Geografia também utiliza-as nos seus estudos.
Gilson, um moleque que só sentava no fundo da sala e vivia a comer biscoitos e mastigar com a boca aberta comentou, num tom sarcástico:
- Estudar pra ser alguém na vida, blá-blá-blá... Todo mundo já sabe dessa história. Até o salário do professor saiu no jornal: seisentos reais. E, no final, ele ainda tem que pagar a passagem do bolso dele - enfatizou.
Um espanto sucedido de mais um silêncio na classe.
- Meu irmão não estudou e ganha mais que isso – afirmou Gilson - Ele trabalha de camelô e nem paga passagem. Os motoristas deixam ele entrar pela porta de trás. Quando ele vende picolé na praia ele ganha até gorjeta dos turistas – acrescentou o pequeno.
Sem saber o que fazer o professor tentou persuadi-lo informando que esse salário baixo é pago pelo estado, mas que há municípios que pagam bem e dão a passagem, mas a euforia era geral.
- E ainda apanha da polícia – lembrou Tiago.
- Minha professora da quarta série trabalha pra prefeitura de Nilópolis, onde eu morava, e também reclama do salário – acrescentou Fernanda.
- Eu ouvi na rádio que o presidente quase não estudou e o dono do salão de barbeiro perto da casa da minha tia virou vereador. – complementou Mariana.
Antes que o mestre pudesse interferir, Tiago perguntou:
- Alguém aqui tem coragem de estudar a vida toda pra ser professor?
Bate o sinal e, na correria, esvai-se pelo ar aquela conversa.

Brincando de ser cidadão

Brincadeiras simples que dependem apenas de um pouco de 'dignidade'.




Por Edson Borges Vicente - Geoeducador (2008)


Quase cinco anos pesquisando a Baixada Fluminense me concederam alguns poucos, mas pra mim importantes, conhecimentos sobre essa área tão amada e odiada, tão valorizada (culturalmente) e relegada ao desleixo das lideranças.Esse paradoxo – bom / ruim – paraíso / purgatório sempre encanta e mistifica o sentido da (re)criação da História e das estórias percebidas por aqueles que ousam entender um pouco desse povo, desse território e desse lugar.Desde a nostalgia dos tempos de Iguaçu Velha, com seus marcos histórico-culturais (Fazenda São Bernardino, Cemitério dos escravos, Porto de Iguassú) até a revolta da chacina, das epidemias de dengue, do vergonhoso IDH (Índice de Desenvolvimento humano), muitos temas florescem quando resolvemos escrever sobre a Baixada.
Dentre essa gama de fatos, casos, fotos e causos, Nova Iguaçu se destaca enquanto fonte de criação, desenvolvimento e “retalhação” de identidades. Sem dúvida, essa amada cidade é o berço de grande parte das que hoje compõe a Baixada Fluminense e fonte de inspiração de inúmeros cientistas sociais, historiadores, geógrafos aventureiros desbravadores do conhecimento local / regional.
E a primeira coisa que se pensa para iniciar uma exposição de um dado conhecimento é em explicar os primórdios, desvelar o começo de tudo... Nesse sentido, um resgate histórico é sempre bem vindo, pois parece que há uma linha do tempo contínua, inabalável e certa tal qual o positivismo clássico nos ensinou. Digo, porém, que nem sempre o “começo” é o caminho mais certo pra se “começar”, que quando tratamos de identidade, de temas sócio-espaciais (pois tenho que puxar brasa pra minha sardinha de geógrafo), é importante passear pelos: fim, começo e meio; É justo ser trans-temporal, trans-escalar, ter a sensibilidade para perceber os tempos e os espaços simultaneamente.
Peço licença com atraso para embriagar-me com essa filosofia não vã, pois decidi iniciar uma série de artigos que tratam do tema: identidade sócio-espacial de Nova Iguaçu, ou seja, almejo refletir sobre a história e a geografia de minha amada cidade em uma perspectiva da identidade do povo com a cidade e com os bairros e as transformações que vem ocorrendo recentemente. Meu foco principal é a URG Cabuçu (que compõe bairros como Cabuçu, Três Marias, Laranjeiras, Valverde, Marapicu, etc). Meu acompanhamento da turma A do Projovem Cabuçu nesses últimos meses de 2008, em decorrência da participação de minha noiva Fernanda Bastos e sua integração à Escola Agencia de Comunicação, contribuíram para elevar meu desejo por também participar desse processo de (re)descoberta da identidade do meu bairro, realimentando o engajamento da pesquisa que venho desenvolvendo e que se insere numa lógica parecida.
O passo inicial seria voltar ao passado tratando da colonização da Baixada pelos portugueses, destrinchando os fatos que se sucederam até o desenvolvimento da Grande Vila de Iguassú, as mudanças causadas pela ferrovia e a ascensão de Maxambomba até elevar-se a Nova Iguaçu, perpassando os tempos até chegar à configuração atual de nossa cidade, com nossos dilemas atuais e nossas perspectivas para o futuro. Acontece que, um momento me chamou a atenção, um momento que tive a sorte de registrar e que desviou meu pensamento para o hoje, mudou minha trajetória de análise e me fez refletir a partir de um retrocesso, invertendo as lógicas.
Um ponto em um universo me fez parar, apreciar um ou dois minutos um momento histórico que será lembrado mais tarde como, talvez até, um marco. Uma mudança nos processos de formação identitária dos bairros que vem passando nos últimos dois anos, por um processo de mudança espacial e social. Trata-se das obras de infra-estrutura que tem mudado a paisagem e a identidade da população com os bairros. O paradoxo começa a tender mais pro lado da paixão e afirmação com o lugar e cada vez menos identificando-se com sua rejeição. As pessoas estão em processo de elevação da auto-estima de sua identificação com seus lugares de vida, num fenômeno chamado de “Topofilia” (paixão pelo espaço termo criado pelo Geógrafo oriental Fu tuan). Cresce o numero dos que se orgulham de dizer que “moram em Cabuçu”.
Há uns quatro anos (2004), iniciei uma pesquisa sobre o Projeto Iguaçu Nova (Atualmente chamado “Cidade Paradiso”). Na época, especulava-se a construção do Parque Aquático Paradiso Clube em Cabuçu e nem de longe se tinha a noção (por parte dos “cabuçuenses”) da magnitude das transformações que o projeto geraria no bairro. Um parque aquático, que, na verdade, seria o embrião de uma mini-cidade para aproximadamente 150 mil pessoas era inimaginável, utopia, motivo de piada. Quase ninguém tinha esperança de melhorias em, pelo menos, dez anos uma vez que Cabuçu já havia décadas de abandono por parte do poder público, resultando na degradação dos poucos pontos de lazer (como a praça) que existiam.
Imagens de crianças brincando de barquinho em poças d’água, descalços à beira de valas negras, largadas ao descaso sempre foram fáceis de captar. Em minha experiência na Assistência Social do município com crianças em risco social, quando estive à frente do PETI (programa de Erradicação do Trabalho Infantil - pólo Cabuçu) e conheci de perto, em meio à precariedade, a criatividade dos pequeninos, não cheguei a imaginar que uma transformação espacial provocaria uma mudança tão radical nos hábitos das crianças, na brincadeira das crianças.
Porém, diante dos nossos olhos (meus e de Fernanda) em um passeio descomprometido estava uma transformação em curso, talvez uma realização de um sonho (da criança ou mesmo de seus pais), a possibilidade de uma brincadeira que só depende de uma coisa: asfalto. De certo que uma brincadeira – andar de patins – é impossível de ser realizada na lama, em terrenos esburacados e pedregosos, como se configurou desde sempre, a grande maioria das ruas de Cabuçu. E esse gesto simples, essa brincadeira – andar de patins – demonstrou ser muito mais do que uma brincadeira, mas de uma ação cidadã. Poucos dias após a finalização do asfaltamento de uma das ruas da primeira etapa das obras em Cabuçu, aquela criança pode não ter compreendido, mas estava diante de um momento histórico, de um marco histórico, de uma mudança de hábitos. E a expectativa de que isso se universalize no bairro ficou à mostra, mexendo com os sonhos dos que passavam naquele momento e que esperam ansiosamente serem alcançados pelo direito o qual aquela criança estava usufruindo, o de brincar de ser cidadã.

sábado, 3 de outubro de 2009

Provas do ENEM ''vazadas' disponíveis para baixar

Atenção Geovestibulandos de plantão.
As provas do novo ENEM que seriam aplicadas no último fim de semana (03 e 04 de agosto) 'vazaram'. Para desviar a atenção ao erro cometido o MEC resolveu usá-las como 'simulado' pelos inscritos. Para tanto as mesmas foram colocadas à disposição para Dowload.
Abaixo estão disponíveis os endereços dos arquivos .pdf do exame.

provas do dia 03 Clique aqui
Provas do segundo dia Clique aqui

A previsão para a nova data do ENEM 2009 é para os próximos 45 dias
Continuem se preparando e boa sorte
Geoeducador

Resgatando o Jóvem Reporter - nº 1

Histórico de Matérias de Edson Borges Vicente e Fernanda Bastos da Silva publicadas no blog www.jovemreporter.blogspot.com da Escola Agência de Comunicação da Secretaria de Cultura de nova Iguaçu.


Árvore da paz - postada em 30/01/09
Tamarineiro é o refúgio do maratonista de Cabuçu
por Fernanda Bastos da Silva
fotos de Edson Borges Vicente
Luiz Carlos Machado Ponciano, 35 anos,mais conhecido como "Maratonista de Cabuçu", é tido como louco pela comunidade de Cabuçu. Muitos pensam que ele é inacessível, um excêntrico, que não gosta de falar com ninguém.

Ele vive na Fazenda Cabuçu, importante marco histórico do bairro em que mora, onde começa a estrada que vai dar em Queimados. Adora receber as pessoas na sua árvore.
Conversa com elas com surpreendente lucidez e saúde. Sabe que as pessoas o veem como um louco, mas não se importa. Também não se incomoda quando tentam tirar fotos do seu lar.
Luiz é um sonhador, com uma história marcada por sofrimentos que começaram na conturbada relação com o pai. "Fugi de casa ainda menino, porque meu pai me batia muito", lembra ele. Foi morar então em um "casarão" próximo ao conjunto Rosa Branca II. Apesar da fuga, ainda tem contato com as quatro irmãs: Simone, Márcia, Lídia e Rita.
Luiz estudou no "extinto Colégio Elvira Leite", em Mesquita, tendo cursado até a antiga 4ª série do primário. Abandonou a escola devido a uma sucessão de brigas, que atribui ao preconceito que as pessoas "Antes que começasse a ser visto como um encrenqueiro, preferi sair."

Serra do VulcãoDesde então se julga um incompreendido pela sociedade. Tem muita vontade de reiniciar os estudos, de trabalhar e, literalmente, correr e voar atrás dos sonhos que não se perderam. Vocação para maratonista, realmente ele tem. Além disso, gostaria de ser saltador de parapente e asa-delta. "Conheço algumas pessoas que praticam esse esporte na Serra do Vulcão."


Simpático e às vezes carismático, ele recebe ajuda para se manter, alimentar e vestir. Mas ele distingue os "que o ajudam" e os que apenas o desprezam. Ele não "mora" na árvore. A árvore é uma companheira que lhe traz paz assim como seu cachorro, ambos amigos inseparáveis. A árvore é um pé de tamarindo de aproximadamente 30 metros que também proporciona uma visão panorâmica. "Muita gente deve ter mim, por estar em um lugar lindo e

com muito verde", orgulha-se.
A árvore também traz o frescor da brisa da serra nos dias muito quentes. É uma morada, uma fiel companheira e um hobby. No topo da

árvore, ele colocou um banquinho feito de caixas de madeira e uma bandeira de panos coloridos, quase todos vermelhos. "Subo esses 30 metros em dois minutos", diz ele. Para proteger-se da chuva, ele pretende colocar um toldo bem no topo.


Pista de atletismo
Outro pouso de descanso do maratonista é atrás do Posto de Saúde de Cabuçu. Em um quartinho pequeno ele guarda seus pertences, doações e o que consegue comprar com seu trabalho. "De vez em quando, ganhou uns trocados capinando, limpando e roçando a beira da estrada de Madureira", diz ele.

Luiz tem uma particular fixação pela estrada de Madureira. "É minha pista de atletismo", afirma. Percorre-a incansavelmente todos os dias, indo do KM 32 ao Centro de Nova Iguaçu. De vez em quando faz um pit-stop na torre de Furnas, na altura do Jardim Laranjeiras. ”Crianças, não façam isso em casa!", aconselha.

Seu idílio com a natureza pode ter um fim a qualquer momento, pois já chegou a seus ouvidos que a área da fazenda pode ser invadida a qualquer momento. Com receio de que a construção de novas casas avance sobre sua árvore, Luiz sugere um ato político: “Temos que criar uma lei proibindo o corte da minha casa."

Beijos e boa leitura.