sábado, 5 de dezembro de 2009

A Carta do Sevinho

Por Edson Borges Vicente


Severino era um menino franzino e empalidecido. Ainda assim seus olhos, embaçados pelo sol escaldante de verão na Caatinga, brilhavam como raras gotas de orvalho sob os mandacarus. Naquele dia anterior à primeira ida para a escola, fizera tudo o quanto podia para quebrar a rotina de sua pacata vida naquele pacato lugarejo chamado Sertão Fundo. Deixara de usar sua melhor muda de roupas na missa dominical para apinhar-se na única sala de aulas da região, recém contemplada com um programa de alfabetização rural. Era seu primeiro dia de aula em seus nove anos de vida severina.
O maior sonho daquele garoto era escrever uma carta para seu pai que havia deixado a família há cinco anos para tentar a vida no Rio de Janeiro. Mesmo em remotos flashes, sua memória guardava a imagem e a promessa de que veria mudar os rumos de sua vida quando, no retorno dele com suficiente dinheiro ajuntado, fartos dias cessariam a fome de toda sua família.
Sevinho, como era chamado pelos seus colegas, sabia que o que a professora vinda da cidade trazia era muito mais do que rabiscos em papel e quadro de giz, era a oportunidade para ele abraçar o mundo e ser abraçado. Sabia também que o fato de seu pai ser analfabeto dificultaria muito conseguir um bom trabalho e juntar o dinheiro sonhado. Não fossem as leitoras e redatoras de cartas apostos na Central do Brasil, sequer receberia as correspondências enviadas desde que ele partira e não fosse o dono da mercearia, único alfabetizado do lugarejo, nem mesmo as tais cartas seriam lidas.
 Mas seu sonho estava se realizando, estava agora em uma escola. Toda a precariedade do lugar não abatia o menino que atribuía grande valor ao aprendizado e, com seu impoluto pensamento, não enxergava as inúmeras imperfeições que ali existiam. Olhos e atenção voltados para aquela jovem que dedicara sua vida a ensinar, Sevinho nem sentiu mais fome, nem sede e, durante as quatro primeiras horas de aula de sua vida, sentiu-se gente. Voltou pra casa com os mesmos olhos embaçados de outrora, mas com o resquício de um brilho diferente do anterior, já não raro como o orvalho, mas cotidiano como a luz implacável das proximidades do equador, intensa e com força contínua.
(Texto concorrente no concurso literário Brasil de A a Z da Litteris Editora, 2013).