sábado, 27 de agosto de 2011

CAIO SOH

por Adgeo* 
 Tive minhas pernas amarradas na carroceria da loucura
Fui arrastado por toda minha cidade
Desconheci de perto em um passeio forçado todas as minhas formas
Esfolei minha lucidez nesse chão de novidades
Deixei pelo caminho um rastro pois meu corpo sangrava o pavor do
desconhecido
Me percebi outro (quase vacilo e choro)
Tentei desfazer o laço de interrogação que me carrega, mas o instinto
atrapalhava, pois estava decidido a me apresentar alguma verdade
Tentei me esvaziar para fugir mais rápido:
Chorei para tornar-me mais leve
 
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Tirei a fraqueza que vestia minhas atitudes
Cuspi todo resto de certeza que naquele instante azedava minha boca
Raspei o peso da culpa que dormia em meus ombros
Lavei meu rosto e vi escorrer de mim uma grande quantidade de inveja de
alguém que não fui
Descasquei a cola de preguiça que grudava minha disposição no vazio
Fechei os olhos para enxergar mais liberdade
Me percebi outro (mais simples, eu era quase ninguém)
Quase ninguém?!!
(Porra) Demorei tanto para me tornar algo que acreditasse…
Menti tanto para poder me sentir existindo…
E de repente volto ao zero por ver apenas um feixe de alguém que parece
mais comigo do que esse que carrego e construo com todo cuidado e razão
(me torno novamente apenas um ponto de interrogação envergonhado)
Algo no presente fede a passado
Percebo um vulto antigo caído nos meus pés
É o corpo daquele moço estranho que agora pouco era eu
(Acariciando a cabeça do antigo) Mais uma vez a minha violenta essência
assassinou meu frágil personagem
Como sempre minha vida recomeça sem acreditar em quem fui ontem
Ajoelho para rezar mas minhas costas doem. (A dor denunciava a falta de
conversas com Deus ou com a parede) Tento rezar, mas não sei como
começar
por não acreditar onde se termina uma reza (minha fé ainda é
transparente)
Sem reza, pelado, com novos olhos, sinto apenas um pequeno enjôo por
ser
de novo tudo novo: Mudo de cidade (nunca sozinho apenas com uma
acompanhado de outra multidão)
 
Novos pés pisando em um novo chão me trazem um rápido carinho da paz
(seguido de um beliscão)
Novos olhos enxergando um novo céu me deixam contente por reparar que
sou
pequeno (mas o novo passa rápido)
 
Caminho e percebo minha terra seca
Falta chover no meu ser (Deus ainda não conhece onde eu moro)
Logo me decepciono com o ambiente
É fácil perceber que uma grande quantidade de bêbados circulam pelas
esquinas do meu coração
Não reconheço ninguém: nem sei se aquela bela mulher dando risada do
menino que caiu da bicicleta é a angústia ou se o menino machucado do
tombo é a solidão…
(Estranho, isso nunca aconteceu) Pra onde quer que eu mude sempre
reconheço a angústia!!!!!
(Abro um enorme sorriso nem feliz nem triste) Será que a angústia não
aqui?
Impossível (é mais fácil existir sem sombra do que sem angústia)
Peço informação para uma senhora gorda, velha e com cara de bosta: (a
primeira vista ela parecia o meu passado)
- Por favor, a senhora sabe para onde quero ir?
Perguntei baixo mas meu mundo inteiro ouviu, todos assustaram
(consequentemente) todos se esconderam
Escureço, me torno noite (nem sinal da lua ou de qualquer outra coisa
bela)
Black out no meu ser
Silêncio (silêncio)
Sei que ainda tenho uma cidade e um povo mas tudo está em estado de
choque
 
 
Nesses momentos de intervalo entre Ser e Estar é necessário tempo e
calma
para que a máquina do existir volte a funcionar
 
 
OBS:Encosto a cabeça em um ombro (que não existe) e durmo com a
esperança
de acordar antigo (antigo = alguém que acreditou ser alguém)
 
 
Nesses momentos de intervalo entre Ser e Estar é necessário tempo e
calma
para que a máquina do existir volte a funcionar
 
 
  
Obs.: a noite passou sem sonho nem pesadelo… sem noite
 
* Adgeo - pedido de anonimato - texto publicado em 26/09/2005 no site Geoeducador.xpg.com.br
Contatos: organização do site.

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