sábado, 27 de agosto de 2011

A EMERGÊNCIA DOS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS E O PAPEL DO PRÉ-VESTIBULAR PARA NEGROS E CARENTES (PVNC)

REPUBLICANDO DE WWW.GEOEDUCADOR.XPG.COM.BR- 2004

                                                   Edson Borges Filadelo(Junior)*

  “Devemos nos preparar para estabelecer os alicerces de um espaço verdadeiramente humano, de um espaço que possa unir os homens para e por seu trabalho, mas não para em seguida dividi-los em classes, em exploradores e explorados...”.
                                                                                              Milton Santos


Introdução

    
Nos últimos anos, principalmente a partir dos anos 1970, temos percebido o crescimento dos Movimentos Sociais (Sindicatos, ONG`s, Movimentos de afirmação de identidade e Movimentos de educação popular). A crise do capitalismo levou a sociedade a vários questionamentos. Nesse período, “ocorreram mutações intensas, econômicas, políticas, ideológicas” (Antunes, 2001, p. 183). O modelo de acumulação Taylorista / Fordista vigente desde o inicio do séc. XX tinha como característica, a desvalorização da “dimensão intelectual” da massa dos trabalhadores, os mesmos passaram por um longo período, por um processo de “Ressocialização Homogeneizadora”, ficando apagados da memória dos fatos marcantes da evolução das tecnologias, uma vez que essa ficava a cargo da “Gerência Cientifica” (Antunes, 2001, p. 185). Acontece que, contra qualquer forma de Homogeneização, levantam-se as Identidades Culturais que, ao afirmar suas especificidades, colocam em cheque a validade dos discursos ideológicos que controlam a sociedade. Segundo Souza, “Temos o direito de ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracterize” (Souza citado por Sacavino, 2000, p. 19). O papel dos intelectuais nessa perspectiva é fundamental, pois são eles que controlam esse jogo de construção simbólica. (Ortiz, 1985, p. 142).
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Contexto da educação e dos Movimentos sociais

     A educação, servindo como meio de adaptar os trabalhadores às transformações no processo de produção das industrias, limitava-se ao ensino das técnicas do trabalho, nunca visando à formação social e intelectual do trabalhador, nem tão pouco a sua contribuição na construção do saber; ficando a educação “reduzindo a uma subdivisão da economia” (Mc Larem, 2001, p. 57). Numerosos conflitos ocorreram na tentativa de mudar esse quadro, muitas vezes baseados no questionamento do sistema de produção então vigente (o Capitalismo). Muitos grupos sociais sentiam-se lesados e discriminados por esse sistema; alguns, segundo Candau, não exprimiam esse sentimento (Candau, 1995, p. 27), situação a qual chamamos aqui de “questionamento interno”. No campo da educação, isso já vinha ocorrendo desde os anos 1960 com os movimentos de educação popular com a cooperação de Paulo Freire e seu método de alfabetização de adultos. A diferença é que, ao contrario dos movimentos populares da dec. De 1960, os quais eram liderados pela Classe Média com participação da Igreja Católica, vezes com atuação do estado (antes do golpe de 1964), os movimentos populares a partir da crise de 1970 e da emergência de um padrão de produção flexível (com a permanência do Sistema Capitalista), mudaram seu perfil e a liderança de muitos movimentos é feita por pessoas dos próprios grupos sociais característicos (No caso dos movimentos de educação popular, a cooperação da Igreja Católica permanece, pelo menos no inicio dos movimentos nas dec. de 1980 e 1990).
     Segundo Ortiz, “Os Movimentos Populares não coincidem com as Expressões Populares. Na realidade eles agem como filtro, privilegiando alguns aspectos da cultura, mas esquecendo outros” (Ortiz, 1985, p. 142). Na verdade, as “expressões populares” são resultado de um processo de manipulação ideológica enquanto que os Movimentos Populares são justamente, questionamentos a essa manipulação. Quanto à educação, o fato de, em sociedades rotuladas como “avançadas”, haver a existência em grande quantidade de grupos sociais marginalizados, fez com que se precisasse de um novo olhar para a educação, de acordo com as palavras de Candau:
“A necessidade de uma nova perspectiva educacional foi suscitada pela presença de pessoas e grupos sociais pertencentes a diferentes raças, etnias e culturas, de representantes de grupos minoritários e / ou marginalizados em sociedades avançadas”.
(Candau, 1995, p. 23).


O papel do PVNC enquanto Movimento de Educação Popular

     O Movimento Pré-vestibular para Negros e Carentes (PVNC), insere-se nesse contexto, com as características dos Movimentos de Educação Popular pós 1970; com a liderança feita pelos indivíduos das próprias comunidades onde se localizam seus núcleos; mesmo tendo sido criado com a participação da Pastoral do Negro, caracterizando-se por ser Laico, segundo a sua carta de princípios (www.alex.nasc.sites.uol.com.br /pvnc, 10/11/2004). Sendo um questionamento ao Sistema, luta em favor da democratização da educação de modo que todos os grupos sociais, étnicos e culturais tenham acesso ao conhecimento, não o considerando apenas como acesso às técnicas.
     Estando inserido na dinâmica da sociedade urbana, o PVNC esbarra com as dificuldades de se manter um grupo de cooperação dentro do contexto metropolitano, onde há “o esvaziamento das relações sociais, pela redução do conteúdo da pratica socioespacial” (Carlos, 2001, p. 19). Pessoas cada vez mais ligadas ao mundo da mercadoria perdem seu espírito de cooperação. A organização cooperativa entre indivíduos é fundamental para o bom desempenho de um projeto educacional; nas palavras de Alves, “se a gente comete erros, é preciso o outro, o olhar do outro para nos dizer: isso ai é um equivoco. Então, a organização da sociedade em diferentes associações, sindicatos, movimentos é fundamental” (Alves, 2003, p. 20).
     Tendo a solidariedade ativa como uma marca dos seus educadores (segundo a carta de princípios), o PVNC se esforça para contribuir no processo de transformação da dinâmica individualista do Sistema Capitalista, nessa sua fase financeira e neoliberal. A obra de Paulo Freire dá uma contribuição importante nesse sentido, uma vez que se pode chegar, segundo reflexão de Gadotti, “a uma concepção da educação que coloque a solidariedade e não a competitividade, como no paradigma neoliberal como fundamento da pratica educativa” (Gadotti, 1997, p. 100). Trabalhando com pessoas de diferentes formações culturais, o PVNC atua numa dinâmica intercultural, promovendo um “dialogo entre culturas”, isso acontece porque, mesmo sendo um Movimento de Educação Popular, supõem-se que essa é plural, como dito por Ortiz, sendo mais conveniente falarmos em “Culturas Populares” (Ortiz, 1985, p. 134).
     O PVNC vê-se como um movimento da diversidade que tem como objetivo comum o desejo de realocaçao dos espaços sociais, principalmente dos espaços nas universidades públicas, local dos questionamentos e da construção do saber em prol do seu uso pela sociedade. Vê-se a emergência de um trabalho interdisciplinar, trabalho que, ao unir forças através da cooperação, consiga reforçar a atuação do movimento e obter resultados que satisfaçam o desejo de ampliação da gama de alunos introduzidos no ensino superior, tendo sido construído neles, uma consciência critica e transformadora da sociedade. Esse trabalho interdisciplinar emergente surge como questionamento à fragmentação cientifica, assentada nos preceitos do paradigma da Ciência Clássica, ainda entranhada em setores da sociedade atual, ofuscando a compreensão do todo; como afirma Said, ao dizer que: “A tendência de disciplinas e especializações em se subdividir e proliferar é contrária à compreensão do todo, quando se trata do caráter da interpretação do todo” (Said, 1995, p. 44).
     O Pré-vestibular para Negros e Carentes (PVNC), como o próprio nome diz, é um Movimento de Educação Popular que tem como propósito, inserir os negros e carentes nas universidades, preferencialmente nas universidades públicas; uma maneira de reparar erros históricos cometidos a essas classes na sociedade. Tendo como foco de seu trabalho as comunidades carentes, o fato dessas se constituírem, em sua maioria, por negros e afro-descendentes, faz com o PVNC se caracterize pela forte participação dessas classes em sua organização, o que não significa que é impedido o acesso de brancos ao movimento, uma vez que a desigualdade social produzida pelo Capitalismo, não pupa ninguém; porém, historicamente é nas classes negras e pardas que se observam os maiores déficits em porcentagem de indivíduos cursando o ensino superior, mais especificamente em universidades publicas. Muitas pessoas não têm consciência desses crimes que foram cometidos sobre essas classes, justamente porque a ideologia produzida pelas elites provoca a minimização da consciência histórica da população. Não se deve esquecer o que passou, pois, segundo Said, “Não há nenhuma maneira de isolar o passado do presente” (Said, 1995, p. 34), portanto, os acontecimentos ocorridos no passado, refletem-se no contexto atual, consistindo no padrão de vida “indigna” da maioria da população negra e parda. Muitos brancos também se inserem no movimento, uma vez que, também são carentes, necessitam do apoio do movimento e contribuem muito na manutenção do mesmo.

Aspecto do mercado de trabalho atual e a necessidade da emergência de uma perspectiva de futuro. O PVNC nesse contexto

    
O mercado de trabalho na atualidade é marcado pelo aumento da restrição a diversos grupos étnicos (entre eles, os negros e pardos) e os indivíduos considerados fora do tempo do trabalho, por estarem fora da faixa etária considerada ideal para a exploração pelo Capital, segundo Antunes, existem dois tipos de excluídos nesse contexto, são eles: os “jovens” e os “velhos”.
“os “jovens” são aqueles que terminam seus estudos, médios e superiores e não tem espaço no mercado de trabalho (...) e os trabalhadores de quarenta anos ou mais, considerados “velhos” pelo Capital, uma vez desempregados não voltam mais para o mercado de trabalho.
(
Antunes, 2001, p. 2003).
      É fundamental para o PVNC, a luta pela reversão dessa situação, pois os jovens inseridos nas universidades devem ter a oportunidade de inserir-se no mercado de trabalho para adquirir maior poder de intervenção na sociedade, estando alocados em posições importantes pelo grau de escolaridade alcançado, colocarem em pratica, a consciência critica e transformadora, tão almejada pela atuação da PVNC e abordada nos espaços da atividade “Cultura e Cidadania” , introduzida como inovação no cotidiano das aulas, tendo o seu espaço reservado na grade de horários e também, disseminada ao decorrer das aulas normais com o pressuposto da interdisciplinaridade.
     Considerando o homem como produtor do espaço e não apenas como habitante dele (Carlos, 2002, p. 165), e que essa produção depende do acesso às condições necessárias, entendemos que o acesso ao ensino superior possibilita a obtenção de força suficiente para a intervenção na produção do espaço pela sociedade, almejando a construção de um espaço mais justo, “o espaço do homem” (Santos, 1986, p. 26). A sociedade impõe às classes marginalizadas, uma visão de conformação e estagnação; é necessária a emergência de um sentimento de confiança que permita aos cidadãos, sonhar e acreditar, ter a certeza de poder, de querer, de intervir; um sentimento inovador e confiante na mudança, na valorização do homem e da vida. É necessário fazermos como Santos e acreditar nas palavras de Sartre, para o qual: “tudo muda quando se considera que a sociedade é apresentada a cada homem como uma perspectiva de futuro, e que esse futuro penetra até o coração de cada um como uma motivação real ao seu comportamento” (Sartre citado por Santos, 1986, p. 26).
     Usaremos as palavras de santos para afirmar que: “não mudaremos o mundo, mas podemos mudar o modo de vê-lo” (Santos, 1986, p. 26) e ao mudarmos a concepção de mundo, estaremos construindo um mundo melhor. Cabe a cada um de nós, professores, coordenadores, alunos e comunidades, atuar firme e fortemente nessa perspectiva, afim de que no futuro, não necessitemos de funcionar como um pré-vestibular por todos terem acesso digno ao conhecimento e tornemo-nos uma família social e que essa família seja toda a sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ALVES, Nilda, Entrevista: Nilda Alves. In: Nova América, n° 97, março, 2003.

ANTUNES, Ricardo. Os sentimentos do trabalho. São Paulo, Boitempo, 2001.

CANDAU, Vera M. Educação escolar e cultura/s. In: <

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